quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Black Swan

Depois de dois meses mais ou menos de férias, eu voltei, com um tema que provavelmente já foi esgotado de tantas discussões, mas numa perspectiva que eu acredito ser ao menos ligeiramente diferente. Isso porque eu acredito que somente a partir do momento em que compreendemos que moda é uma arte como qualquer outra que podemos entendê-la pelo que ela realmente é. E digo isso porque é muito fácil indicar todos a assistirem o filme Black Swan, que é maravilhoso, por sinal, e prestarem atenção especial ao figurino que foi criado por Kate e Laura Mulleavy (da Rodarte), simplesmente porque é um figurino da Rodarte. Pois o figurino é, de fato, maravilhoso, em toda a atenção que ele presta aos mais simples detalhes, em todo o trabalho que faz com os tecidos finos e bordados e plumas que dão um ar sempre de cisne, e ainda assim segue as tendências, criando roupas que, não estivessem construídas em volta de um tutu, seriam facilmente vistas em Olivia Palermo ou alguém do gênero.
Isso tudo é verdade - e encanta, certamente - mas é importante levar em conta o valor artístico das criações, e não só num filme, ou ballet, mas em qualquer desfile da Rodarte, Proenza, Cavalli... Enfim, moda é arte. Ela é construída em volta de milhares de fatores, externos e internos, e ela busca a beleza mas sempre procurando dizer algo a mais. E não seriam todas as formas artísticas assim?
E o figurino de Black Swan tem um valor incrível neste sentido (o que, invariavelmente, me leva à questão de por que diabos ele não foi indicado ao oscar nessa  categoria). As irmãs Mulleavy traduziram exatamente o espírito não só do ballet Lago dos Cisnes, mas também do horror e da loucura que comandam o filme. Pois qualquer um que conhece um pouco de ballet sabe que o papel da primeira bailarina no Lago dos Cisnes é um dos mais difíceis, e Natalie Portman não exagerou ao incorporar a loucura que é passar da doce Odette à víbora e sensual Odile. Dois personagens opostos, que exigem não só uma técnica incrível, mas duas personificações completamente diferentes, igualmente intensas, feitas pela mesma bailarina. E, é claro, Nina, a personagem de Portman, era visivelmente mais sensível, e tinha seus problemas esquizofrénicos, e nada como um desafio de incorporar aqueles dois personagens simultaneamente para levá-la diretamente ao desespero. E o que a Rodarte fez foi acompanhar a personagem Nina, levando os figurinos a um grau de compatibilidade com a protagonista, que não só mostravam uma linda fantasia de ballet, mas que traduziam essa transformação da personagem ao cisne que ela representava.











E, para mim, o figurino das irmãs que mais atingiu esse objetivo, foi o longo usado por Nina na noite em que ela é apresentada à sociedade como a nova primeira bailarina da companhia. Leve e delicado, com um quê de lúdico que vestia perfeitamente aquela menina doce e ingênua que era a personificação de Odette, com um ar místico que começou a levá-la à loucura. É naquela noite que tudo começa a se intensificar, e que sua loucura começa a ficar bem visível.


(infelizmente essas fotos foram as únicas que encontrei)


E é por isso que ressalto o ponto de que moda é arte, e, no caso desse filme, o figurino foi um exemplar nesse quesito. Afinal, a dupla da Rodarte, criando para um filme com um roteiro brilhante, e inspirando-se na bailarina de Degas, não podia dar em outro resultado.



E, pensando nisso, me lembrei de vários outros ballets com figurinos igualmente brilhantes - e aqui, claro, penso nos ballets russos - que possuem um valor artístico imensurável, e compõem o ballet na mesma dose em que o cenário, a música ou a coreografia, e que, além de tudo, são lindos e mágicos, assim como os cisnes de Mulleavy.

Figurinos brilhantes, desenhados por Alexandre Benois, Léon Bakst e até mesmo Picasso, estrelados no palco por artistas incríveis, dentre eles Nijinsky, deram muito o que falar na época em que foram lançados, e ainda hoje encantam o público com suas formas perfeitamente integradas ao ballet.


Petrouchka por Benois


 

                   Pulcinella por Picasso                                    L'apres-midi d'un faune por Bakst

Falando de exemplos mais próximos e atuais, é impossível não pensar no Grupo Corpo, que tem figurino criado por Freusa Zechmeister, a mesma que fez o design da loja favorita das fashionistas belo-horizontinas, Zezé Duarte, e que cria roupas completamente integradas a cada movimento, como se houvesse nascido com eles, e que traduz perfeitamente todo o universo e a alegria da dança contemporânea brasileira.






O ballet Santagustin, também do Grupo Corpo, teve figurino assinado por Ronaldo Fraga, e é bem a cara do estilista.



E o que não faltam são exemplos de figurinos maravilhosos, com valor igualmente artístico e fashion. O segredo está em saber integrar, e, assim, enxergar ambos integrados
xx

2 comentários:

ana carolina disse...

ai que post lindo!
amo croquis...beijos!

Anônimo disse...

Olá! Assisti ontem ao Black Swan, e ainda impacatada com o filme e efeitos que ele me causou, lembrei de um Twitter do Cláudio Beato..e hoje de manhã, cá estou, pois nào apenas li seu ótimo post, como resolvi te dizer que apreciei muito seu veio interpretativo e estilo, que me pareceu ter uma requintada combinação com sua sensibilidade estética. Sim, você tem razão... o figurino é impecável. Estou escrevendo sobre o filme, sou psicanalista, e claro, o tema e a forma com que é tratado me interessou muito. Mas, como deveria ser frente a toda arte (e aqui vc tb tem razão), o desejo de escrever sobre ele também tem a ver com o primor do seu resultado.E terei o seu post como referência ao figurino. Importante demais, nao só no filme, mas n apossibilidade de construçao de um corpo e do registro do feminino, da Nina. Uma palavra o definiu para mim:estupendo! O seu post? Adorei! Ah! E cá prá nós, fora o que vc destaca, as roupas cotidianas que circulam pelo corpo da tão bailarina Natalie Portman também são um arraso, não? rs Obrigada.Parabéns pelo seu olhar!
Cristiane Barreto