quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Statement Dresses

Há pouco tempo tive uma discussão parecida com essa que iniciarei aqui na sala de aula. Como muitos sabem, sou estudante de letras, e por isso costumo comparar muitas coisas das quais falo aqui com literatura ou arte em geral. Porque, querendo ou não, moda é, em algumas formas, arte, tanto no processo de criação quanto de apresentação. E, como toda a arte - e desculpem-me se aqui me oponho à opinião de alguém, essas opiniões costumam ser realmente controversas -, a moda também deve ser, acima de tudo bela. Afinal, poesia não são palavras arranjadas em uma perfeição linda, para dizer mais do que as palavras que estão ali? Pintura não são traços que devem ser belos? Beleza é fundamental para a arte. Pelo menos eu acho.
E como muitos de vocês já devem ter começado a se contorcer de ódio em suas cadeiras, já vou me precipitando: beleza por si só não arte não. Assim como existem muitas obras de artes que tendem a ser feias de propósito, para levar as pessoas à um significado maior, para fazer o que muitos chamam de statement. Ora, mas existem statements e statements, e cabe às pessoas avaliar o que realmente nos diz alguma coisa e o que simplesmente é ridículo. O que também nos leva à velha discussão de o que é arte e quais os seus limites.
Ora, quando Duchamp expôs um mictório em um museu dizendo que aquilo podia ser arte, isso foi um statement e tanto. Aquilo nos fez questionar toda a instituição de galerias e o que é arte em si, aquilo chocou a muitos, e por isso, e simplesmente por isso, foi tão brilhante. E por causa disso admiramos Duchamp hoje, e não porque vemos beleza naquele mictório.
Quando, tempos depois, vamos em um Inhotim da vida e vemos uma cadeira com um relógio em cima no meio de uma sala (e aqui estou divagando pois nunca fui no Inhotim de verdade - eu sei, shame on me) em uma instituição renomada e paramos em volta daquilo para ficar admirando e encontrar um significado escondido naquela metáfora inteligentíssima, isso é puro pedantismo. Porque, sinceramente, não há arte nenhuma naquilo.
E o mesmo acontece em todas as áreas do meio artístico. Quando a primeira pessoa ousou escrever um poema sem rima e mostrar que aquilo, por mais chocante e contra as tradições que fosse, podia ser tão poesia quanto qualquer coisa, aquilo foi um statement. Quando, hoje em dia, alguem publica um livro todo em branco e diz estar tratando do silêncio e da angústia da alma, aí é ridículo. E mais ridículo ainda são as pessoas que querem justificar mostrando mil e uma análises para o feito, e dizendo como aquilo foi chocante. Sabe o que seria chocante hoje em dia para mim? Ver um poema realmente bem escrito dizendo alguma coisa.
E eu não pude deixar de pensar nisso tudo quando vi - só podia ser - Lady Gaga no VMA com o seu vestido de carne.






Eu estou, como diz a música dela, speechless. Ok, eu completamente entendo o personagem que a cantora criou, e eu a admiro muito por isso. Afinal, ela não é nada boba, e sabe que, hoje em dia, é preciso se destacar e sempre impressionar para entrar no show business. E eu a adoro, e achei super bacana essa personagem que ela criou, sempre inusitada. Achei super bacana quando ela começou a usar aquele laço feito de cabelo, achava o máximo que ela só andava de collants extremamente sexies e até quando ela começou a ousar um pouquinho mais naqueles modelinhos super armados e cheios de formas de Giorgio Armani, achei legal, pois, afinal, para se sobreviver nesse meio tem que inovar, se não as pessoas se cansam de você.
Isso não quer dizer que, depois de esgotar tudo que tinha por aí para chocar seu público, ela possa chegar e resolver aparecer num modelito tão nojento como esse todo feito de carne crua. Sabe o que eu tenho a dizer sobre ele? EEEWWWW.
Imaginem o cheiro que ela não devia estar? E é um vestido horrivelmente horrível, e, por mais que ela insista, não diz nada a respeito de nada, não adiantar inventar interpretações políticas.
Claro que, quando vi isso, a primeira coisa que me veio à cabeça foi o vestido de cisne de Bjork no Oscar 2001. Ele certamente não era bonito, na verdade era um tanto ridículo, mas foi o máximo como ela zombou de toda aquela instituição que é o Academy Awards e de todas aquelas atrizes se esforçando para aparecer mais em longos feitos pelos designers mais famosos do mundo - e sem preconceitos aqui, eu, mais do que ninguém, sou apaixonada por esses vestidos de eventos red carpet.
E, acredite, se alguém quisesse chocar de novo e aparecesse vestido de melancia, isso nunca teria o mesmo efeito, e nunca ficaria tão marcado como um clássico (porque o swan dress se tornou, sim, um clássico).



O mesmo ocorreu com o sutiã de Jean Paul Gaultier para Madonna nos anos 80: foi super chocante quando foi lançado, um sutiã que mais do que nenhuma outra peça de roupa ressaltava - ou melhor, expunha o corpo feminino de uma maneira nunca antes vista, que chamava completamente atenção. Que ele era bonito, isso eu não posso dizer, mas que ele fez uma reviravolta no mundo da moda e, assim, se tornou um grande sucesso, isso é inegável.



Mas o vestido de Lady Gaga? Ele não faz nada, absolutamente nada disso. É simplesmente como se ela tivesse pensado "deixa eu ver o que eu posso fazer que eu nunca fiz para chocar meus fãs e sair na capa de todas as revistas... Sangue? Já fiz demais... Cadáveres no palco? Também... Já sei! Vou usar um vestido de carne! yaaayyy".
Sério, que tristeza.  Se ao menos ficasse bonito, ou sexy, mas é nojento, completamente anti sanitário, sem nenhum statement (lógico que vários daqueles pedantes mencionados anteriormente vão encontrar milhares de significados super complexos), sem conseguir dizer nada, muito menos alguma coisa que não tenha sido dita ainda.
E não é nem como se ela estivesse revolucionando, fazendo uma roupa completamente original, ou algo assim. Ela simplesmente resolveu reproduzir um ensaio fotográfico que fez para a Vogue Homme Japão, no qual ela estava nua e envolvida em pedaços de carne. O ensaio também estava nojento, mas eu reconheço o seu valor artístico. Não é nada como mandar fazer um vestido de carne e usar por aí em uma festa super importante.



E, se a minha humilde opinião vale de alguma coisa, acho que ela ainda tirou idéia daquele filme que tem um psicopata que faz uma roupa da pele de todas as mulheres que ele mata (alguém se lembra que filme é esse?). Pelo menos no filme havia algum motivo para o vestido nojento - um motivo que pessoas normais nunca irão compreender, mas que não deixa de ser um motivo.

xx

4 comentários:

Claudio disse...

EKA para a Lady Gaga.
O filme é o Silêncio dos Inocentes.

Anônimo disse...

otimo post, vc escreve muito bem!

Anônimo disse...

Parabens! vc esta cada dia mais madura nas suas analises.Moda é coisa seria.Veja o livro " mancebos e mocinhas" ele traça uma linha do tempo e um paralelo da moda com a politica, o status e as artes , e podemos transpor tudo para os dias de hj , pois continua tudo do mesmo jeito, apesar de tanto "hollywoodismo".Mas apesar da seriedade do tema....vamos continuar gostando de bolsas e sapatos tá??? Bj, Nequinha

Anônimo disse...

Excelente post, Nena! Arte é beleza e a beleza na arte nos ajuda a transcender o real. Eu lembrei agora da obra-prima da escritora Yasmina Reza, uma peça de teatro que se chama "Art" e que fala justamente do conceito de arte contemporânea - do que é realmente arte e o que é simplesmente ridiculo.
Se vc puder depois dê uma olhadinha:http://www.dailymotion.com/video/x66105_art-de-yasmina-reza-la-piece-aux-2_fun

bjo,
Juju